Enxaqueca crônica molda minha vida?
- Gatto Publicità
- 15 de set. de 2024
- 7 min de leitura
Tem dias que é um tanto assustador pensar que, pelo menos nesta existência, eu passarei a vida inteira “lutando contra” a tal da enxaqueca crônica. Também, em muitos momentos, percebo que minhas escolhas foram baseadas no controle ou descontrole da enxaqueca. O quanto isso foi bom ou ruim, não é possível saber.
Resumidamente - conforme meu breve conhecimento como uma pessoa que convive com a doença - a enxaqueca é uma doença genética que afeta o cérebro que mantém o órgão hiperexcitado freneticamente, fazendo com que diversos fatores conhecidos como “gatilhos” piorem essa condição transformando em uma dor severa e outros sintomas.
Existem vários tipos de enxaqueca, unilateral, com aura etc. E a enxaqueca crônica é quando os principais sintomas persistem mês a mês. Considerada pela OMS a segunda doença mais incapacitante do mundo, a enxaqueca não necessariamente é apenas a dor de cabeça conhecida como “crise”.
A enxaqueca pode ser considerada crônica quando a pessoa fica constantemente com dores nas costas, nariz entupido, sensibilidade a som e luz, enjoos, dores de barriga, irritabilidade, dificuldade de foco, problemas de memória, mudanças de humor, quedas de cabelo, aversão a toques na cabeça, bocejos frequentes e entre outros.
Caso queira saber mais informações sobre a doença em si ou a opinião de especialistas que realmente estudam e entendem de enxaqueca, recomendo o Instagram da Headache Center Brasil.
Considerei listar alguns dos diversos sintomas causados pela enxaqueca crônica para tentar transmitir em um parágrafo como é conviver com a doença todos os dias. E gostaria de lembrar que enxaqueca não tem cura, mas tem tratamento. Porém, o tratamento ideal e indicado pelos especialistas tem um custo muito alto. Se tiver interesse em saber, é cerca de 20 mil reais a 30 mil reais por ano, contando com as consultas especializadas e multidisciplinares, medicamentos específicos e acompanhamento.
Bom, após essas breves explicações de algumas informações que considero relevantes para o texto, gostaria de explicar porque considero que a enxaqueca crônica moldou e continuará moldando toda a minha existência.
Minhas memórias mais distantes estão entre o ensino fundamental e ensino médio, quando não conseguia me concentrar nas provas devido a dor intensa, não tenho certeza do quanto a dor pode ter prejudicado minha atenção ou notas escolares, mas lembro de ter crises em que não conseguia nem mesmo ler os enunciados das atividades ou provas.
Um pouco mais tarde, sabendo que o que eu tinha era enxaqueca, fui induzida erroneamente a tomar muitos analgésicos nas crises. Quando já estava na faculdade, teve dias que cheguei a tomar 10 comprimidos em 24 horas, sempre de 2 em 2. Essa má condução por falta de conhecimento básico piorou gradativamente minhas crises, tornando-as cada vez mais fortes e recorrentes.
Além dos medicamentos para crise, tomei diversos medicamentos “preventivos” contínuos que não preveniam nada, só pioraram a situação. Medicamentos para as mais variadas doenças que, em certa dose, prometiam tratar a enxaqueca. Além dos medicamentos não tratarem, cronificaram a doença.
Por sorte, apesar das dores intensas, não fui prejudicada na minha graduação. Minhas professoras (algumas que também sofriam de enxaqueca) eram muito compreensivas. Também, considerava uma graduação muito tranquila, como era baseada em trabalhos e não em provas, isso ajudava muito a conseguir fazer o que precisava quando não estava com dor.
Mas, na minha vida pessoal, as crises fortes e constantes foram um enorme problema. Além de considerar que a quantidade de medicamentos e efeitos das dores me inibiram de fazer boas escolhas tanto nas amizades como nos parceiros românticos, percebo que a falta de compreensão das pessoas foi um fator decisivo para nunca me pôr em primeiro lugar.
Isso quer dizer que, mesmo sabendo que teria dores fortes, fazia escolhas que iam completamente contra o bem-estar da saúde física e mental em busca da aprovação ou convivência com os outros. Como passar noites em claro, ir em lugares com som alto ou luzes piscantes e entre outras decisões horríveis.
Pulando para a vida profissional, até hoje não sei se as escolhas baseadas na enxaqueca foram um problema ou uma benção. Mas, eu tinha uma peculiaridade de contar aos entrevistadores que eu tinha enxaqueca crônica e que alguns dias do mês eu permanecia completamente incapacitada. Claro que eu dizia que iria trabalhar e dar uma melhor, mas que a dor afetava sim meu desempenho.
Nem preciso falar que, devido a isso, nunca fui convidada para a segunda fase dos processos seletivos, né? E quando não tinha processo seletivo e era convidada para estagiar ou trabalhar em algum lugar, meu “emprego” durava menos do que um semestre.
Só tive um emprego que permaneci até a empresa fechar, sem ser demitida por causa da enxaqueca. Nesse, eu trabalhava home office e podia escolher o horário que queria para fazer minhas tarefas.
Nessa mesma faixa de tempo, eu já estava criando minha atual empresa sem saber ainda que isso iria acontecer. Como trabalhava como Diretora de Arte (quem sabe um dia conto minha trajetória nesse blog) os meus amigos, conhecidos e familiares me indicavam para empresas ou autônomos.
Assim, comecei a fazer pequenos trabalhos para algumas pessoas, depois comecei a fazer trabalhos maiores. A melhor parte desses “freelancers” era poder executar as tarefas quando eu conseguia e sem precisar trabalhar morrendo de dor. Futuramente, tudo isso tornou-se um agência de publicidade e a empresa que administro atualmente.
Eu considero que um dos maiores luxos da minha vida é poder passar uma tarde deitada no escuro e silêncio absoluto, chorando de dor, enjoada e com bolsa térmica congelada na testa.
Mas, melhor do que isso, é o luxo de colocar o meu bem-estar em primeiro lugar. Eu poderia continuar tendo crises fortíssimas como algo frequente na minha vida, principalmente para agradar os outros. Mas, viver assim poderia ser considerado ter uma vida bem vivida?
Existe uma grande dualidade que é achar que as escolhas que faço em prol da minha saúde é uma limitação ou uma libertação.
Estou limitando e deixando de aproveitar minha vida para realizar escolhas que permitam com que eu fique muitos dias sem precisar de medicação para enxaqueca? Ou estou me libertando podendo viver dias inteiros criando oportunidade para realizar meus sonhos e objetivos de vida?
Respondendo ao título desse texto, a enxaqueca molda sim minha vida e uma vez que entendo que é uma doença incurável, eu preciso fazer algo por mim mesma para viver essa existência da melhor maneira possível - com mais saúde possível.
Mesmo se eu tivesse condições financeiras para realizar o tratamento adequado, ele também impõe escolhas que podem ser consideradas limitações - no caso, as mesmas que escolhi para mim atualmente e mais algumas que não inclui na lista, porém sem o tratamento médico-medicamentoso.
Em janeiro de 2023 eu decidi que iria viver um “ano zen” em prol da minha saúde física e mental, com o objetivo de reduzir minhas crises de enxaqueca. Reduzir os efeitos colaterais da enxaqueca é bem mais difícil, talvez possa levar anos ou décadas sem o tratamento médico. Mas, é possível reduzir as crises que incapacitam, melhorando assim a qualidade de vida no geral.
Como parâmetro, comecei a anotar todos os dias como foi a intensidade de dor de cabeça no dia anterior conforme cores: verde (sem dor), amarelo (dores leves), azul (dores medianas), laranja (dor que necessita de pelo menos um comprimido), vermelho (dor incapacitante, que exige 2 ou mais comprimidos).
Verde até hoje nunca aconteceu. Depois de tantas décadas com essa dor intensa, é muito difícil se livrar completamente dos sintomas ou leves dores de cabeça.
Amarelo é meu “dia a dia”, é praticamente a forma que estou acostumada a viver, apesar de não ser o ideal. E o azul são dias que eu preciso parar, deitar um pouco com uma bolsa térmica gelada na testa, ficar um pouco no escuro ou tentar “resetar” minha mente.
Já laranja são dias que eu fico pelo menos algumas horas incapacitada, realizando todos os passos dos dias azuis, porém iniciando com um comprimido de analgésico. E por fim, o vermelho são dias que não existem, que eu não consigo sair da cama, a dor é agonizante (daquelas que faz chorar de desespero) e é necessário mais comprimidos para voltar a sentir um certo alívio.
É importante relatar que após uma crise de enxaqueca, fico de 24h a 72h com efeitos colaterais horrorosos dos comprimidos. Sensação de cabeça vazia, enjoos, dificuldade de pensar, tonturas e entre outros.
Então é: ou passar muito mal por causa da crise ou passar muito mal por ter medicado a crise.
Mas tudo bem, a notícia boa é que as escolhas que fiz para minha vida em janeiro de 2023 (hoje sendo agosto de 2024) realmente estão me ajudando a não passar por esses episódios tão frequentemente.
A média de crises em 2022 passavam de 15 por mês, contando mais de 45 dias de dor forte ininterrupta. E em 2023, a média começou em 12 crises e terminou entre 6 a 7 crises mensais.
Agora em julho de 2024, tive o melhor mês da minha vida: 2 crises durante todo o mês. Mas, a média geral do ano até agora está em 4 a 6 crises por mês.
Sempre que tenho uma crise laranja ou vermelha, anoto o que aconteceu para que chegasse nesse ponto. Em todas as vezes, a causa principal está relacionada aos problemas pessoais ou profissionais que me levaram a exaustão mental ou grande dificuldade de controle emocional. E como causas secundárias estão: permanecer muito tempo em ambientes barulhentos, cheiros fortes, muitas horas sem comer, noite mal dormida etc.
E para finalizar esse texto, gostaria de listar algumas escolhas que eu fiz e tento seguir da melhor forma possível todos os dias. Porém, sempre tendo a consciência de que sou humana e muitos dias irei “falhar na missão”.
1 - Terapia (psicóloga), porém já faço sessões a mais de 10 anos, só mantive.
2 - Estudar filosofia na prática, para refletir e tentar diariamente conviver melhor com a minha mente inquieta e meu emocional exagerado. Sabendo que, muita parte dessa excitação cerebral é ocasionada pela enxaqueca, porém que é possível reverter ou minimizar conforme minha reação ao que acontece na minha vida.
3 - Atividade física pelo menos 3 vezes na semana, podendo ser musculação, caminhadas, corridas, esportes etc. Além de sabermos a importância da atividade física para a saúde como um todo, o objetivo principal é deixar o corpo exausto para uma mente mais tranquila, com menos “forças” para pensar demais e ativar alguma crise.
4 - Redução de cafeína. A cafeína, taurina etc são as maiores inimigas de uma pessoa com enxaqueca crônica. Apesar de eu saber que o ideal é cortar toda cafeína para sempre, eu fiz uma escolha mais “saudável” para minha realidade de vida e limitei tipo de ingestão, quantidade de ingestão e horários no dia permitidos. Em resumo: só tomo chimarrão! Não tomo café e evito sempre que possível chocolate com cacau.
5 - Estilo de vida: não frequento lugares noturnos, barulhentos, com pouca luz ou com luzes piscantes. Evito ao máximo permanecer em lugares com música alta, com exceção de algum show que eu queria muito assistir. Prefiro encontrar pessoas em lugares calmos e durante o dia.
Tem muitas outras escolhas que foram necessárias para tentar uma vida mais saudável e "bem vivida", mas essas cinco são as principais. Um dia, quem sabe, escrevo outras!


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